UM MODO SINGULAR DE CONSTRUIR PROJETOS DE APRENDIZAGEM
Antes dosociólogoe filósofo Edgar Morin,
o tecido de minhaecharpeguardava menos complexidade
A escola repete, desde Jean Piaget, que o cognitivo e o afetivo não se separam e concorrem juntos para a construção do conhecimento. Leu em Vigotski que vivenciar os conteúdos é atividade fundamental para a aprendizagem verdadeira, significativa. Constatou que a TV conhecia o segredo do psicólogo suíço e que o professor precisava instrumentalizar o aluno para usar a ferramenta a seu favor e reagir criticamente à sedução do mundo imagético que o ecrã revela. Foi possível ir além, construindo um caminho a partir de boas doses de conhecimento técnico, empatia e criatividade. Falo aqui de um modo singular de realizar projetos de trabalho na Educação Infantil e no Ensino Fundamental.
Circula com ênfase, já há décadas, nos ambientes de aprendizagem, a afirmação de que o conhecimento é resultado de um processo social de construção. Identidade, disciplina, emoção, tudo nesse mundo se constrói. Os professores têm cada vez mais certeza disso, e os alunos também, apesar de nem todos se entregarem ao s(l)abor desse empreendimento para além do discurso antenado com o que parece moderno. Construção de conhecimento demanda esforço e exige algumas competências; optando por essa entrega, no entanto, é possível encontrar o lugar da invenção, de uma conversa estética, da cognição criadora a partir do emprego da força da emoção, águas em que podem mergulhar aprendentes de toda idade. Os projetos de aprendizagem podem ir além de um tímido, resumido e totalmente previsível conjunto de atividades com os mesmos lugares determinados a que todos os alunos devem chegar ao mesmo tempo. Projetos de aprendizagem podem criar asas e roteiros particulares de voos a partir de uma construção coletiva. Ao lado de professores que se preparem para coordenar o processo, alunos assumem seu lugar legítimo de autoria do próprio aprender. Para isso há que se enfrentar cotidianamente o desafio de conhecer a natureza mutável do conhecimento e de considerar a grande trama que envolve cada saber interligando-o a todos os outros em seus diversos aspectos. Por essa ideia de complexidade, do francês Edgar Morin, certamente há um caminho de distanciamento da superficialidade recorrente na abordagem pedagógica reinante.
Atuando, desde a década de 80, com projetos pela sua possibilidade de contextualizar o conhecimento, tenho o privilégio de ver acontecer, desde 1990, um modo original de realizá-los. Esse fazer próprio envolve a escuta, princípio da ideia do educador italiano Loris Malaguzzi, mas considera que o poder de escuta do professor pode ir além da fala objetiva do aluno. Na montagem de projetos que tenho vivenciado, consideramos que a criança ou o adolescente pode definir caminhos a partir de provocações feitas pelo professor, que, do lugar de sua formação e experiência, terá buscado fundamentação não só nos interesses, mas também nas necessidades que conhece de seus alunos. Assim, torna-se possível compartilhar diversos saberes e linguagens construindo também a civilidade e a cidadania.
Sendo impossível oferecer todo o conhecimento do mundo, a escola precisa provocar o desejo e dar a seu aluno ferramentas de busca — o método. O que apaixona é poder fazer isso ao mesmo tempo em que todos — professores, alunos e comunidade — se embrenham num mundo de instigantes conteúdos em que realidade e ficção se misturam na sala de aula, uma provocando e alimentando a outra, e transpõem o muro da escola. Assim é que vejo alunos envolvidos numa trama que, mesmo sendo arquitetada pelos professores, introduzida por eles, é problematizada de modo a evidenciar diferentes possibilidades de intervenção com sentido autoral. Essas interferências decorrem da relação dialógica entre o mundo que o aprendente já traz consigo, o mundo descoberto através da ação do professor, que conduz à pesquisa, e o mundo inventado, necessário para a manutenção e ampliação aprimorada da realidade.
A produção coletiva de um projeto de aprendizagem que guarda o rigor do compromisso com o planejamento e a pesquisa, a interação entre os variados campos de conhecimento e a flexibilidade que garante espaço para o conhecimento que virá a ser é uma experiência que todo aluno deveria ter o direito de construir. A corrida em que o educador deve inscrever-se, portanto, não é a do ser diferente, mas a do ser autêntico, original na busca dos melhores caminhos para o Ser mais completo. O ser aluno, o ser professor, o ser humano.
O sujeito era muito disposto, do tipo valente. Em tempo de folga, gostava de uma boa caçada. Dia desses foi então a uma, num lugar onde diziam haver cada onça que é mesmo um perigo.
— Que perigo nada! — ele dizia — Não aparece pintada nenhuma! É tudo conversa fiada.
Mas não é que lhe apareceu uma onça macha e se bandeou pro lado dele? Ele contou tudinho como foi, e eu vou contar agora pra vocês, a fim de que se cuidem pro caso de toparem com uma dessas por aí. Então o sujeito foi contando assim:
A onça percebeu em mim um sinalzinho de vacilação e veio feito gato querendo pegar passarinho: deitada, vinha se chegando devagarzinho, com a barriga no chão, numa maciota, só com o rabo balançando, os olhos alumiando verde e as presas enormes começando a brotar dos cantos da boca.
Eu engatilhei minha espingarda de dois canos e esperei. Quando a onça apanhou certa distância, taquei-lhe fogo... Tei! Que tei que nada que o tiro falhou.
Mas aí eu disparei o outro cano. Ele negou fogo.
Então, ora essa! Num pronto catei meu facão de mato pra esperar a "bicha" e não queria saber de talvez. Mas o facão não tava na bainha; eu tinha perdido na mata ou esquecido em casa, com a pressa de sair.
Armei os braços e fiz cara feia pra enfrentar a diaba. Afinal, sou ou não sou um cabra destemido? Humpf! Meti medo nenhum na fera, que fez cara bem pior que a minha.
Foi quando apelei pra fé que nem sempre tenho em Deus. Botei os joelhos no chão — devagarzinho pra não assustar a pintada —, fechei os olhos e comecei a pedir: Senhor, faça com que essa onça tenha princípios cristãos! Abri um olho pra medir a força da minha oração e vi que a fera tava ali, parada, com cara de quem pedia assim, na sua própria reza: Senhor, abençoai esse alimento que vou comer agora.
Ah! Mano velho! Vou lhe dizer... nesse caso, não houve outro remédio: pernas pra que te quero. E a onça, vindo que vindo, quase me apanhando. As patas da danada já andavam no meu calcanhar, e eu sentindo um bafo quente no meu cangote.
Sem mais demora, fui pra perto de um angico novo, que eu me lembrei que em pau fino onça não sobe, porque não consegue agarrar com as munhecas. Pois foi aí que se deu o melhor da história. Felizmente a bicha escorregou. Mas foi um senhor escorregão. Passou deslizando no mato, feito a prancha de Saulinho na onda. Foi o tempo de eu subir no pau fino e ficar ali, zombando da cara dela até ver que cansou e foi embora. Ufa!
Terminado o caso, todo mundo achou esse sujeito muito corajoso mesmo. Ricardo Gama, que tava na roda, ouvindo tudo, até disse assim: Ô Zé, eu confesso. No seu lugar eu ia era borrar as calças de tanto medo. E o caçador valente respondeu: E no que é que você acha que a onça escorregou?