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quarta-feira, 26 de junho de 2013

Disciplina – que conteúdo é esse?

Eu brincando de desenhar


Vivendo dias em que muitos de nós nos perdemos daquela organizadora rotina que nos acolhia em horas exatas para café, almoço e jantar, é preciso lembrar que disciplina não nasce com o indivíduo e depende de nós, adultos, organizarmo-nos para que tenhamos condições favoráveis ao aprendizado de mais esse conteúdo pelas crianças. 

A disciplina é uma construção que se empreende durante o processo de socialização, com o objetivo de que as relações aconteçam de modo mais harmônico, conforme regras estabelecidas e para a melhor execução das atividades diferentes a que nos propomos.

Disciplina se aprende pelo exemplo, pelos contratos firmados, pelo conhecimento específico do que diz respeito à regra em questão, pelo exercício de autoridade do adulto. Disciplinar é conduzir por regras, disso não se tem dúvida. Apesar de haver regras que não aceitam discussão, há muita ideia que se pode combinar com as crianças. 

Concordo com Lino de Macedo quando diz: “É como em um jogo. As regras são arbitrárias, mas a criança aceita porque gosta de jogar. Sem regra, não há jogo” (revista Nova Escola, edição 183 - junho/2005). Mas ouso discordar do mestre, a quem reverencio, quando afirma, sobre crianças de 2 a 6 anos, que “a argumentação científica não funciona com os pequenos”. Percebo, em minhas vivências com a Educação Infantil, que mesmo esses garotos e garotas são envolvidos pelo conhecimento novo, e isso pode levá-los a adotar, com maior compreensão, certas regras. Isso não serve como estratégia para todas elas – não mesmo –, mas que dizer da menina de 3 anos que fez sua mãe desistir, já dentro da loja, de comprar tal sandália da moda, com o argumento que aprendeu com o ortopedista, na escola, a respeito do salto alto para crianças? E do garoto de 4 anos que sempre desejara levar salgadinhos inadequados para o lanche e, depois de umas aulas sobre o efeito de certos ingredientes, disse numa manhã: “Oh, não! Por que minha babá colocou este lanche que é cheio de gutato nossódito? Vai estragar minhas papilastivas”. (Ele quis dizer “glutamato monossódico” e “papilas gustativas”, que aprendeu com a professora. 

Esses não são casos isolados. Pais são testemunhas de várias regras assimiladas desse modo. É evidente que precisaremos voltar muitas vezes à mesma fala quando tratamos de fazer cumprir determinações, mas esse fato, a meu ver, não anula o valor que teve o conhecimento científico, fortalecido, não ignoro, pela confiança do pequeno na palavra do adulto.

Noutro dia, uma mãe me falou de seu constrangimento: “Meu filho chamou-me de mentirosa porque eu disse que todos deveriam ir para a escola de uniforme, e ele viu colegas sem o tênis certo”. E o que disse a ele? “Que sua professora reclamaria dos outros meninos”. É importante, sim, que a professora observe o cumprimento das regras por todos, mas cada família faz sua parte. Numa sociedade laica, é claro que se pode descumprir o regulamento da instituição. E arcar com as consequências disso, obviamente. Não é assim fora da escola? Um motorista não se dá o direito de ultrapassar o sinal vermelho? Sim, mas é obrigado a assumir a pena imposta pela lei do trânsito.

Os pais não devem esquecer-se de que a criança ali ao lado está aprendendo... É preciso que pai e mãe considerem o que desejam ensinar a seus filhos, que valores orientam sua família. Insista em sua escolha, que é uma de muitas outras que virão. Mais tarde, lá pelos 12 anos de seu pequeno, é bem possível que você ouça: “Mãe, porque não posso ir sozinho ao show? A mãe de meu colega deixa”. É quando me lembro das mais sonoras palavras de minha mãe, que bem provavelmente também se incomodava com a concorrência, mas respondia com a segurança de que uma criança precisa: “Nossa família tem seu jeito de pensar e fazer as coisas. Para nossa família, isso é o que é certo, é nisso que acreditamos”. Sim, porque pai e mãe precisam versar sobre o certo e o errado, mesmo considerando que essas não são questões fechadas. 

A escola é um importante espaço onde códigos são construídos, onde o indivíduo aprende sobre o que é ou não socialmente aceito. Julgamos importante dar à criança a condição de saber conduzir-se conforme solicita a circunstância e dar-lhe, também, a possibilidade de apropriar-se das melhores ferramentas para a execução desta ou daquela atividade. Sim, não tendo apenas uma forma, a disciplina otimiza nossas mais variadas ações. Por isso, é um grande equívoco afirmar que aluno disciplinado é o que faz silêncio ou o que se mantém sentado por duas horas ininterruptas. Esse comportamento é adequado para uma modalidade de ensino. Num debate, diferentemente, a melhor disciplina supõe a conversa, alternando-se o falar e o ouvir; há técnicas que pedirão deslocamento pela sala ou outras áreas, pedirão saltos, corridas. O sujeito apropria-se dessas ferramentas e cria outras para adequar-se a novas situações. Assim, caminha para a autonomia.

Definitivamente, fazer o que quer à hora que quer, do jeito que quer é prática que deve ser desencorajada junto a nossas crianças. Elas precisam de espaço para atuar, para fazer escolhas, mas não dispensam a orientação do adulto. Organizar o ambiente para suas ações é imprescindível em casa e na escola. É o que inspira segurança.

Aglacy Mary
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sábado, 15 de junho de 2013

Um louco em minha cena



Deram-me, por professor, um louco. Louco do tipo que dá enormidade aos olhos, quando mira a classe, e baba quando anuncia o tema do espetáculo que os normais costumam chamar de aula.
Passava o pente no cabelo denunciando a luta ganha pelo vento durante sua caminhada de dois quarteirões até nossa sala, e ninguém seria capaz de adivinhar a condição em que ficaria aquela generosa cabeleira ao fim do primeiro ato.
Quando começava a função, punha-se quase além das pontas dos pés, parecendo querer alcançar mais do que sua poderosa palavra podia. Num desses movimentos, por vezes, fixava o olhar em algum ponto onde, certamente, via algo invejável. Seu olhar lembrava o do meu amigo Nivaldo no dia em que, ganhando um brinde do vento, deitou os olhos, pela primeira vez, na costura da bainha da saia de Neiva.
Cinquenta minutos depois, acabava a cena. Sem dúvida, pela necessidade de que outra plateia também recebesse o convite ao delírio. Mas só se recompunha, de fato, no intervalo maior, o das dez e vinte, quando conversava sobre amenidades com os seus pares.
Hoje penso que esse louco tem parte da responsabilidade por meu show. E eu nem tenho mais seus autógrafos, desenhados, mês a mês, na ponta de uma Bic escrita fina, ratificando notas de 8 a 10, para o boletim.

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