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domingo, 18 de setembro de 2011

A bolsa


O supermercado estava cheio. Parece que, em tempo de quaisquer vacas, gordas ou moribundas, aquele ambiente imantado atrai todo metal que carregamos em nossas carteiras. A realidade de poucos caixas abertos fazia com que as pessoas se apressassem para chegar à fase final da tarefa, imaginando que, quanto mais demorassem mais risco haveria de serem as últimas de uma fila que crescia.

O relógio já corria para alcançar a hora da novela dela, e isso a apressara de modo que dispensou o carrinho de compras na entrada. “Carrinho pra quê? Levo só umas besteirinhas hoje”, planejou a moça consigo mesma. Tez branca; cabelos castanhos provavelmente de alguma tintura e lisos certamente de alguma escova; olhos amendoados; lábios carnudos bem rosados, de um rosa acentuado por um gloss generosamente aplicado. Passeou objetivamente pelos corredores da loja. Um par de sandálias para os pés, que me pareceram um tanto inchados; um ovo de Páscoa daqueles grandes e de preço constrangedor; uma tábua de frios; um queijo francês que uma amiga minha chamaria de queijo estragado; duas escovas de dente; um frasco de enxaguante bucal; um esmalte vermelho tango; uns olhares ao redor, para talvez notar alguma nova necessidade.

A fila se estendia para fora do corredor de pequenas compras e atingia a seção de vinhos, o que a fez lançar mão de uma garrafa que me pareceu um Luis Pato e me fez sentir saudade de um lugar onde não estive. Enquanto a fila andava, ela fazia algum malabarismo para equilibrar os produtos que queria levar mais a bolsa com que entrara — uma daquelas invenções que a mulher não consegue pendurar no ombro.

Ele vinha observando seus movimentos desde a seção de higiene e cosméticos, quando ela quase derrubou o esmalte. Ali começou a vislumbrar algo. Era bem moço ainda, talvez recém-saído de uma escola de Ensino Médio. Cabelos curtos e bem cuidados; calça jeans escura, camisa de malha bem assentada em seu tronco comprido; sorriso largo, porém raro. Outro rapaz o acompanhava, e os dois trocaram algumas palavras enquanto o primeiro olhava a moça já na fila, a bolsa mal colocada numa das mãos, deixando expostos vários bolsinhos supostamente protegidos por fecho éclair. Ele se adiantou à posição dela sob o pretexto de alcançar um item qualquer numa prateleira mais à frente dos dois. Notou que ela estava indefensável com aquele pequeno amontoado de coisas. O modo como segurava a garrafa de vinho, presa entre o antebraço e o peito esquerdos, era garantia de que a bem jovem senhora teria pouca reação caso fosse abordada. Ela, entretanto, sentia-se segura naquele lugar onde todos pareciam providos de meios de pagar suas mais sofisticadas compras — até mesmo rapazes tão jovens. “Hoje em dia até criança já carrega um cartão no bolso”, pensava ela enquanto, num relance, notou o garoto atento, mirando especialmente sua bolsa. Inquietou-se.

Dali até os dois minutos seguintes, ela viveu uma eternidade de desconforto. Em vão tentou redistribuir os objetos em suas mãos e garantir a segurança da bolsa. “Não seria melhor fazer algum barulho e chamar um segurança? Mas onde eles estão mesmo? Quem diria que aqui dentro alguém correria um risco deste tipo? Pensando bem, ele não será louco de tentar qualquer coisa. Seria preso uns dez passos adiante, certamente. Pelas próprias pessoas da fila. Devo despreocupar-me enquanto estiver aqui. Mas e a saída?” A mulher começou, então, a atormentar-se em planos para o deslocamento até o carro, no estacionamento do supermercado. “Só me afasto do caixa com um guarda”. Estava decidido.

Quando praticamente voltava à calma, notou que o rapaz se afastara e agora retornava à fila, espremendo-se entre as pessoas, que pareciam não querer dar-lhe passagem. Ele continuava vindo, ela sem iniciativa, ele se aproximando, ela se desesperando. Até que ele chegou. “Que coragem!”, a moça quase exclamou em voz alta e virou totalmente de costas para o início da fila, mostrando ao garoto que estava bem atenta ao seu movimento. Ele, porém, não se intimidou. Colou nela, prendeu uma cestinha de compras em sua mão direita e disse: “Melhor colocar suas coisas aqui, moça”. Na saída, cada um seguiu seu rumo. Ela tem um “muito obrigada” preso na garganta até hoje.

EnsaiOlhográfico

Foto emprestada de um álbum de Rísia Rodrigues

Nem sempre
é a câmera quem fisga o olho.
Há olhos
que hipnotizam a máquina.