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sexta-feira, 20 de maio de 2011

Um dia de tonhice


Considerando a formação do grupo que combinara o passeio, o final de semana prometia, no mínimo, horas aprazíveis. Tudo acontecia conforme o previsto. Meire encontrou os três com exatas duas horas de atraso, não frustrando expectativas de ninguém. Leninha, a... digamos que a cabeça do grupo, era quem sugeria os programas e organizava o que fosse preciso. Com ela por perto, sistemática e sempre bem orientada, tudo funcionava conforme o combinado. Até a espera impaciente pela amiga, que lhe serviria de co-piloto, embora completamente desqualificada para a função, pois Meire era capaz de se perder dentro do próprio apartamento.

O casal que entrou no carro naquela noite era de brasileiros que moravam fora do país e conheciam Sergipe muito pouco. Altair até já andara por estas bandas; Zilda estava descobrindo o lugar. Eles eram primos de Leninha. Bem, tínhamos, então, as amigas Leninha e Meire no banco da frente, Altair e Zilda, os turistas, no banco de trás.


Carro na rua, conversa animadíssima. Zilda lembrou que, naquele mesmo dia, deram voltas quase intermináveis até conseguirem encontrar o Terminal Rodoviário por onde passavam agora. Leninha, segurando o volante que nunca entregou a ninguém, matutava, silenciosa, sobre aquele fato. “Como é que eu fui me perder do Terminal? É... Cada um tem seu seu dia de tonhice na vida".

Faziam piada com as histórias de vida de cada um e assim iam afinando mais as relações. Leninha falava, ouvia, mas não tirava o olho da estrada, que lhe provocou a primeira dúvida: “Maceió, Salvador... E Laranjeiras, por onde eu sigo mesmo?” Zilda, quase num sussurro, observou timidamente: “Aquele caminhão, com placa de Laranjeiras, talvez...” Leninha já havia optado por um desvio e pronto! acabou dando uns cinco volteios no viaduto, até aceitar a sugestão do primo turista de que deveria seguir no sentido das duas outras capitais. “Ufa! Que é isso? A tonhice tá me atacando de novo?”, disse a incomodada Leninha. Zilda e Altair, no banco de trás, divertiam-se com o desnorteio da prima e a nulidade da co-piloto. As duas guias sergipanas desaprovavam as gargalhadas. 

Laranjeiras a 18 km, disse a placa, numa bifurcação. Somente agora a experiente condutora do automóvel se sentiu segura naquela noite em que tanto se surpreendia. Segura? Segura pra girar o volante pra direita! Que foi aquilo?! Zilda, no banco de trás, alertava timidamente: “Olhe a placa, veja a seta, é pra esquerda, olhe o caminhão que tem placa de Laranjeiras”. Era tarde, o carro já estava na pista errada. Marcha à ré naquele lugar, àquela hora, seria coisa pouca pra Leninha, conhecido ás na direção, mas naquele dia de tonhice, julgou melhor fazer o que nunca, antes, na história de toda a sua vida, havia feito. Passou o volante pra mãos alheias e se recolheu ao banco de trás do próprio carro. Altair, guiado pela esposa, que consolava a decepcionada motorista, tirou o grupo daquela enrascada e, finalmente, todos seguiram para a histórica Laranjeiras


Mais uns quilômetros, e o percurso foi ficando estranho novamente. “Não é possível. Laranjeiras é logo ali, e o domínio de mapas que tenho não me permite esta desorientação”, pensava a motorista sem volante. “Só pode a geografia local ter mudado”, disse a co-piloto sem função. Depois de consumirem mais algum pneu, avistaram nova placa, razão de grande alívio. Agora sim. É só dobrar à esquerda e... E agora? Zilda notou mais uma vez: “Aquele caminhão tem placa de Laranjeiras. Ele bem provavelmente...” Altair, estimulado pelas outras duas mulheres — até antes dessa aventura, supostas conhecedoras das rotas de seu estado —, fez a primeira entrada para a direita e seguiu em frente, diferente do que fez o caminhão da discreta Zilda. “Escura a pista, não é? Não me lembro disso. Está tão diferente...” Os comentários de Leninha e Meire começavam a preocupar o casal... Ôô! Acidente na pista. Viaturas de polícia, uns quatro carros civis batidos no meio daquela noite tão preta. “Seguimos em frente?” Seguiram. O chão já parecia que não ia dar em lugar nenhum quando avistaram umas luzinhas. Logo depois, uma grande estátua iluminada. “Será ali? Agora há estátua iluminada na entrada de Laranjeiras? Será o Cristo? Não é possível que a gente veio parar em São Cristóvão. Quem sabe a prefeita fez um Cristo para Laranjeiras também!” Um paredão respondeu a todas as perguntas que as sergipanas sem bússola, quase a uma só voz, faziam naquele momento. “Bem-vindos a Riachuelo”. Nããão. Tudo menos aquilo. “Mas Laranjeiras é pra este lado. Passamos pela fábrica...”, repetia Leninha inconformada. “Mas o caminhão foi pra lá, eu vi”, lembrou a quase silenciosa Zilda.

Riachuelo — entrar ou não entrar, eis a questão. Perdidas quase em casa, como se sentiam, Leninha e a amiga temia que aquele pulinho à Micareme de Laranjeiras acabasse no Rock Sertão de Nossa Senhora da Glória, o que não seria má ideia, não fosse um sinalzinho sonoro, acompanhado de uma piscadela luminosa no painel do carro, anunciando: Combustível na reserva! Combustível na reserva! Mas já haviam mesmo decidido dar meia-volta, e o nervoso local do acidente já ficara para trás outra vez. “Era só o que faltava”, exclamou Altair, enquanto se benzia. A esposa estremecia. Leninha tranquilizava os amigos: “Tem combustível pra gente voltar a Aracaju, imagine chegar a Laranjeiras”. Àquela altura, Meire fazia alguns combinados com os amigos: “Se alguém conhecido nos encontrar nesta situação, diremos que nossa intenção era mostrar Riachuelo aos turistas”. Leninha aportou na ideia e logo começou a dar uma aula sobre a história e a economia da cidade casualmente encontrada.

Chegar... chegaram. Laranjeiras, enfim. Estacionaram numa praça ao lado do caminhão, aquele de Zilda, que alfinetou, menos discreta agora: “Eu bem que disse!”

Desceram e num instante se esqueceram de todas as inconveniências, divertindo-se com as graças do desfile tradicional de blocos carnavalescos. Fotos? Tiraram todas. Tantas que os celulares que tinham ficaram sem bateria. Mas isso eles só descobririam na volta, no meio do breu, quando o tanque de gasolina foi a zero.

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sábado, 14 de maio de 2011