Hoje, DIA NACIONAL DO ESCRITOR, recebi este presente através de
ELIANE ROCHA, mãe de VINÍCIUS, um pequeno leitor de 2 anos:
O despertar de um dia de domingo
Domingo. Dia preguiçoso...
Vontade de continuar no calor da cama.
Mas... eis que Vinícius acorda!
Bem cedo, como de costume.
Seu relógio biológico não tem discernimento dos dias das semana.
Pediu gogó.
Tomou todinho!, como ele mesmo fala.
Avistou despretensiosamente na sala alguns livros enfileirados, de acordo com os seus tamanhos, e falou:
—Quero ler!
Dentre os diversos livros, suas mãozinhas foram direto aonde?!
No livro laranja, A LAVRA, de sua autoria.
Ele me entregou já aberto na página 81, com o poema BANCO DE ESCOLA, pedindo:
— Leia, mamãe, pra mim!
Divertimo-nos bastante ao ler o ABC inteiro com prefácios biográficos de memoráveis autores associados a palavras com as iniciais do alfabeto, tais como A de Alceu Amoroso.
— E de AMOR também, né, mamãe?...LMas o que me chamou atenção foi ao chegar na letra V. Antes de eu citar o verso, ele grita:
— É o meu, é o meu! V de Vinícius.
(Risos.)
— É, Vinícius, mas este é também de Vinícius de Moraes.
Acabei viajando em todos os seus poemas e fazendo de um domingo de "preguiça adiada" um DOMINGO BEM LETRADO.
Parabéns, Aglacy!
Foto: Provavelmente feita por Ricardo Gama, pai de Vinícius.
Caderno de Cultura do Jornal Cinform - Aracaju - SE 30/08 a 05 de setembro de 2010 - Ano XXVIII - edição 1429
Beirava
os 11 anos. Durante aquela visita, o silêncio de palavras dava lugar a um
assovio feito do pouco ar que passava pela chupeta na boca do pobre homem.
Assim, sabiam que ele ainda estava vivo.
A
filha do moribundo estava ali, também, ao pé da cama. As duas trocavam umas
palavras de vez em quando. Era uma visita de solidariedade. Soube que o pai da
colega estava muito doente e quis dar algum apoio.
Às
vezes, o apito soava mais alto; às vezes, mais longo. Elas cochilavam e
despertavam com aqueles sopros de vida. E rezavam. As mães e o médico disseram
que somente um milagre o livraria daquela situação.
Dona
Luzia, olhos amiudados, entrou e ofereceu bolachinhas de milho e umas
queijadas. Elas repartiram uma dessas últimas.
—
Sua mãe leva você pra escola, amanhã?
—
Não sei.
—
Pode ser que tenha que ir pro enterro, né?
—
É.
—
E roupa preta... tem?
—
Não. Minha mãe diz que eu fico muito magrinha.
—
Vai ter que comprar, né?
—
Mas ainda pode acontecer o milagre.
Mentira.
Ninguém ali acreditava no tal milagre. O assovio estava mais fraco. As pernas,
desnudas, pareciam frias. Estavam frias. Será que ele morrera, e elas não
haviam percebido? Não. Ainda se podia ouvir o apito.
—
E o Serginho? Vocês se encontraram naquele dia?
Serginho
era daqueles troféus que toda menina queria ostentar. Era aluno já do
científico e pensava em fazer faculdade. O pai tinha um Opala — quatro portas,
bege, capô preto — que ele pegava às sextas-feiras.
—
Que encontro que nada! Foi quando minha mãe avisou que tinham levado meu pai
pro hospital. Marcamos no banquinho, por trás do cachorro-quente de Seu João.
Deve estar, até hoje, pensando que eu esqueci... ou desisti...
—
Eu posso levar um bilhete pra ele, se você quiser.
—
Tá.
O
homem anunciou a existência de tanto ar nos pulmões quanto não haveria mais
dali a alguns quilômetros, no cemitério. As duas nem se olharam. A filha pôs a
mão sobre o braço dele, a amiga massageou-lhe o pé direito, frio desde muito
antes. Disse que era melhor calçar-lhe logo as meias. Nunca vira e, muito
menos, tocara num morto, mas sempre ouvira dizer que o corpo vai endurecendo
até quando não obedece mais a flexões.
Dona
Luzia entrou no quarto, fazendo-se anunciar, desde o início do corredor, por
uma série de gritos confusos. Entrou e saiu algumas vezes, perambulando que
ficou entre o leito do marido morto e o telefone na sala. Finalmente olhou e
viu que a amiga da filha, com habilidade de iniciante, terminava de ajeitar a
segunda meia do morto.
—
Tirem essas meninas daqui! Quem as deixou assim? Saiam! Isso não é lugar para
crianças. Não é assunto pra vocês. Vamos logo, saiam!
—
Então amanhã não tem escola, né?
—
É.
—
Quer que leve o bilhete?
“Meu
pai ficou doente. Por isso faltei ao nosso encontro. Agora ele morreu. A gente
pode se ver depois de amanhã. No nosso banquinho, tá?”
Ela
assinou com uma marca cor-de-rosa deixada pelo toque suave da pele fina de seus
lábios, coloridos por um bastão que carregava no bolso interno da saia curta de
pregas.
Acompanhou
a amiga até a esquina de Seu Nivaldo, onde foi comprar umas balinhas de goma.
Para açucarar a boca. E as próximas horas.