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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Minha última madrugada



Uma mulher que trabalha duro e procura acertar naquilo que faz não merece isto. Ainda mais na última madrugada do ano, eu cansada, fisicamente fragilizada. Sim, estava de inspirar dó. Por isso ninguém me venha querer dar razão a ela. Tenho eu culpa de que, além de tão sensível, a bandida seja tão perturbada? Se percebeu que eu ia, por que não se valeu de sua propalada prudência e se afastou? Não. Ficou ali. Quase trombamos. Depois, a melhor parte. Pra ela, é claro. Nos minutos de angústia que puseram à prova meu coração sofrido, pensei em desistir, deixar tudo. Precisava pensar rápido. Ela tomava espaço, eu andando para um lado e outro, vendo tudo perdido, ninguém ao alcance de meus gritos emudecidos. A única arma de que me poderia valer naquela situação estava perto dela... Engano meu, felizmente. Arrisquei e localizei outra arma. Precisei de coragem para percorrer alguns metros que me deixavam exposta. Consegui. Disparei metade da munição, eu acho. Foi pressão pra todo lado, ora com tendinite, ora sem tendinite, pra descansar o braço. Enquanto eu disparava, o mundo parecia desabar sobre mim. Não sei se já me vi tão aturdida antes. (Ah, sim, já! Mas isso não vem ao caso, agora.) O fato é que parei, achando que aquilo já era o bastante. O peito também achava. O coração daquele jeito, quase a saltar pela boca. Esperei a fumaça baixar. Cadê coragem pra saber do sucesso, ou do recomeço da história de terror? Aaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhh! Ela estrebuchava ainda, aquela filha de uma peluda nojenta. Quase sucumbo eu debaixo daquela nuvem de piretrinas e piretroides. Droga! Por que barata demora tanto a morrer?

Para desenojar, leia Amor em um parágrafo. 

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Vãos



medrosa de cachorros e de árvores
cúmplices das profecias de mãe nervosa,
a menina franzina
acendia no rosto as duas jabuticabas
e se embrenhava nos recônditos da casa,
a descobrir mundos por habitar.

povoou na sala o vão apertado
entre o assento e o braço do estofado
com pequenos tesouros de papel
modelados a pontas de firmes indicadores
e afiadas unhas de polegares,
tortos de mãe e de vó.

na segunda gaveta do móvel preto,
protegeu um formigueiro
consumidor de papéis
e de tolerância de mãe zelosa,
faz de conta que alheia
ao perfeito esconderijo.
de passagem secreta para o beco das plantas,
a casinha dos altos botijões de gás
(de onde se via o vaivém da cozinha)
virou lugar de sumiço
em tardes de crianças menos vigiadas
por adultos anfitriões.

a menina cresceu com uma vontade
ainda bulindo no peito:

desvelar a escuridão guardada
na enormidade de um sótão
que abriga histórias
em retalhos de chãos e paredes
que não se querem largar
de seus donos.

nestas longas linhas pretas
e noutras tantas que a menina traça,
tentam escapar notícias que se vão
trancadas à chave do tempo
mas se libertam na saudade
que se acorda sob a luz inexorável
de cada dia seguinte.


Se quiser, você tem Alternativa para ler.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Relação frugal

Foto turva de frutas ou azedas ou sem sabor: Aglacy Mary
(salvou-se o pêssego)

Meu amor, presta atenção.
Não ter vocação para semente em polpa de goiaba
significa apenas
não ter vocação para semente em polpa de goiaba.

Ainda posso ser semente,
ainda podes ser polpa.

Guardo-me no abrigo de um caroço,
e tu te desmanchas em doces suculências.


Você pode ler De brincadeira.

Novidadeira


Da varanda do Camilo | Foto: Aglacy Mary

Chega um dia em que tudo é novo outra vez.
A luz das cinco que rasga a cortina fina,
a nuvem que ainda cobre os olhos diante do espelho,
o frescor de laranjeira na lingerie branca,
o ar gelado consumindo o molhado que sobrou do banho,
a fumegância do café no apito do bule.
Nem o gesto do porteiro é produto comum.
Singularidades.
Coisinhas que nascem com metades de séculos.

Leia também Lábio preso.