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quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Testamento

A máquina de Tia Dete/Foto: Aglacy Mary


A quem, porventura, interessar possa
Deixo tudo que escrevi pretensiosamente 
À brisa das tardes de sábado
Deixo a porta entreaberta
Para um amor que nunca voltou
Deixo o prazer da solidão
Que brincou em meu travesseiro, distraindo sonhos
Deixo meus desejos sem cura
Todos nascidos de sete meses
Deixo a inocência irreverente de minha espera
Que, impaciente, esperou
Deixo a noite de minha paixão, que adormeceu
No quintal, sob um rasgo de lua
Deixo minha tristeza de um dia e a descoberta
De como pode ser largo o sorriso
Deixo minhas melhores lágrimas
Sem lamento e sem culpa
Deixo o prazer com que vivi cada idade
Com sua luz e sua dor
Deixo a velhice que não chegou, mas acenou no cais
Deixo o ângulo da beleza que há na sombra
Deixo um olhar contrito para a criança
Que não pôde ser
Deixo o verso brincante
Que viu quem passou e não me viu
Deixo meu exagero diante do sentido
Do absurdo de existir
Deixo o drama que fiz como se drama houvesse
Deixo uns três esquemas de prazer
E um teorema de felicidade
Deixo algumas ideias sem luz
Que nem som de palavra ganharam
Não!
Não as deixo; levo-as
Quem sabe as mantenho escondidas
Até lhes encontrar forma de dissolução?


Poema publicado no meu livro, "A Lavra".


Você também pode ler Mordida - em quem dói mais?

Um comentário:

Diga, então...